O problema é que esperam que eu escreva poesia
sem esperar que as minhas palavras sejam de agonia.
Eu quero escrever,
mas vou falar sobre o quê?
sobre meus sentimentos tortos?
sobre os 473 mil mortos?
sobre como é chato o futebol sem torcida?
sobre o presidente genocida?
sobre as taxas de feminicídio na pandemia?
imagina quanto sangue poderia
escorrer dessa única poesia?
vou falar, então, sobre o futuro
do futuro, tão indeterminado, é isso que eu espero:
não usar máscara, porque a pele agradece
poder abraçar as pessoas, porque isso aquece
não sentir mais esse luto, que só nos entristece
sair na rua sem medo, sem precisar de prece
agradecer pela vida, porque às vezes a gente se esquece
eleger um presidente melhor, porque o nosso povo merece
lutar por mais causas sociais, porque isso nos engrandece
olhar pro sorriso das pessoas, porque é isso que prevalece
nunca esquecer o passado, ainda que a gente recomece
porque são as lembranças que eternizam
tudo aquilo que nos fortalece.
mas, por enquanto,
não vou escrever.
por enquanto, escuto
porque — por um tempo -
minha poesia estará em luto.